A Férias Vivas Consultoria se sentiu compelida, após o acidente ocorrido dia 08/01/2022 no município de Capitólio, em apresentar algumas reflexões sobre o gerenciamento de riscos especificamente no turismo da região.

Capitólio, município localizado a cerca de 300 quilômetros de Belo Horizonte, destino turístico aclamado por diversos turistas, virou motivo de pânico neste início de ano. Viajantes que passavam suas férias no local foram vítimas do deslizamento de uma rocha que atingiu embarcações nos cânions de Furnas. Ao todo, dez pessoas morreram após o desabamento. Vídeos que viralizaram nas redes sociais, mostram o paredão se desprendendo dos canions e atingindo os barcos de passeio no local.

Não podemos afirmar que o acidente foi uma fatalidade. 

O acidente foi fruto de um desastre natural, mas isso não quer dizer que as mortes não poderiam ter sido evitadas. Os dados levantados pela Férias Vivas apontam que 99% dos acidentes registrados poderiam não ter acontecido.

O médico Flávio Freitas visitou o destino de Capitólio anos atrás. Em 2012, o turista se alarmou com a grande fenda que percebeu entre o pedaço da rocha e o paredão do cânion. Desde esta época, Flávio já pressentia que um desastre poderia acontecer. Ele divulgou esta informação, mas os sinais de uma futura tragédia não foram levados a sério. Mas até quando esses riscos serão percebidos e, depois, ignorados?

Falhas no planejamento e a falta de manutenção de atrativos implicam em uma série de fatores que resultam na ameaça à vida dos visitantes. São vários acidentes que encontramos onde as atividades possuem situações de risco sem o devido cuidado com o bem estar pessoal e de terceiros. A Associação Férias Vivas já acompanhou mais de 3960 acidentes de turismo. Suas causas estão relacionadas à falta de sinalização, à incapacitação dos profissionais locais e à imprudência de alguns turistas.

Quando se refere a segurança turística estamos colocando em pauta a preservação da vida humana! O fato de “deixar acontecer para depois resolver” é uma ameaça ao bem estar das pessoas que estão em busca de um momento de lazer e diversão.

Não podemos deixar que a negligência por parte dos prestadores de serviço turísticos permaneça. Acidentes como o de Capitólio servem de reflexão para todos os agentes da cadeia de turismo.

Acompanhe os argumentos deste artigo e entenda as razões que demonstram porque o ocorrido em Minas Gerais não foi uma fatalidade.

Capacidade de Carga

Especialistas em turismo de aventura relatam sobre o descontrole das atividades no local do acidente e congestionamento no lago, conhecido também como "Mar de Minas". 

Pollyana Pugas, embaixadora da Associação Férias Vivas, e auditora na Norma ABNT NBR ISO 21101, observou irregularidades na prestação dos serviços turísticos enquanto realizava um trabalho na região para uma empresa privada que opera atividades como canionismo e tirolesa. Ela comenta ter percebido serviços desordenados no que se refere às atividades de embarcações. Pollyana relata ter observado somente um monitor  para organizar o alto número de turistas. 

São diversos empresários que oferecem passeios aquáticos, deixando a área sobrecarregada sem qualquer controle em relação às lanchas e equipamentos. Assim como, as embarcações se aproximam exageradamente das grandes paredes de pedra. 

Os profissionais de turismo têm a obrigação de compreender os impactos negativos que a atividade turística pode causar nos destinos. É necessário se atentar às situações em que indicadores de capacidade podem exceder os limites físicos, ecológicos, sociais, econômicos ou políticos daquele município.

Overtourism é o nome que se dá ao fenômeno que representa o impacto negativo do turismo em um destino, ou em partes dele, que afeta excessivamente a qualidade das experiências dos visitantes de forma negativa e até mesmo gera situações de risco. Esse problema generalizado deve ser estudado pelos responsáveis de qualquer atividade turística.

Estudo Geológico

Para alguns especialistas, a queda do paredão pode ter sido acelerada pela erosão do solo e infiltrações de água das fortes chuvas que se intensificaram nos últimos dias na região. Mas a causa do acidente vai além de falhas naturais, e sim é resultado da ocorrência de diversos aspectos. 

De acordo com o geólogo Everton de Oliveira, do Instituto Água Sustentável, em uma entrevista ao jornal O TEMPO “a responsável pelo fenômeno de erosão fez com que ocorresse a queda da parede rocha, mas não é ela a responsável pela tragédia”. 

Falhas naturais que possam causar situações de risco aos visitantes devem ser consideradas no planejamento dos gestores públicos do destino turístico. Manter ações de manutenção e estudo em áreas naturais com fluxo de turistas é necessário para desenvolver a segurança turística da sua cidade.

A Cultura de Segurança

Os barqueiros foram alertados, mas insistiram nos passeios, colocando em risco a vida dos clientes. É a lógica do dinheiro acima da integridade física e bem estar dos visitantes. 

A conscientização dos turistas também é essencial. Os seguidores da Associação Férias Vivas no Instagram expressaram sua indignação 

Se o poder público se isenta das responsabilidades que dirá das empresas e pequenas empresas de turismo que não querem enxergar a necessidade de gerir os riscos no turismo de aventura e natureza?”   Keila Kubo, Turistando pelo Paraná

“Neste caso de Capitólio, o Poder Público deveria disciplinar o uso do local, tendo em vista os riscos conhecidos de queda de pedras, mas a responsabilidade sobre os riscos de tripulantes e passageiros será sempre do Patrão, o Comandante da embarcação, seja em um rio, lago ou no mar. Cabe a ele analisar as condições ambientais (sempre mais severas que em terra) e conduzir em segurança.”  Renato Teixeira, Consultor de Gestão de Turismo

 

"Nem sempre podemos apontar de imediato culpados, como tendemos a fazer sempre que algo ruim acontece, e principalmente, quando vidas são perdidas em acidentes. O manejo ambiental em lugares turísticos, que sabemos que é falho em todo o país, se fosse mais efetivo talvez evitasse acidentes como o do último sábado em Capitólio/MG. Depois de um acidente improvável (ou não) como este, nos damos conta de que estamos há anos luz de um turismo mais sustentável e menos arriscado. Estive lá no ano de 2019, achei vulnerável a segurança nos passeios de lanchas, que não exigiam coletes salva vidas e o acesso aos mirantes dos cânions, que não tinha sinalização, barreiras de contenção de plástico e estrutura muito precária! Mas nunca imaginei que uma parede de pedras fosse despencar e matar!
Mas, na natureza nada é exato e estamos usufruindo dela de forma invasiva e descuidada. Em Capitólio há excesso de lanchas que poluem e fazem barulho. Fica até feio! Falta controle, fiscalização e legislação adequada." - Virginia Miranda, Cachoeiras Seguras

O trabalho de Gerenciamento de Riscos

Para assegurar que os empreendimentos do seu destino estejam preparados em caso de eventualidades, a implementação do sistema de gestão de segurança é fundamental. O gerenciamento de risco faz parte do processo da instalação de segurança nos atrativos.

O gerenciamento de riscos é uma ferramenta que auxilia as empresas a manter o controle dos riscos. Esse documento identifica quais são os perigos que a atividade pode proporcionar ao turista ferramentas, assim os prestadores da atividade estão cientes e preparados em caso de acidentes. 

A gestão pública de turismo deve se instrumentalizar e se empoderar do processo de gerenciamento de risco com esforços contínuos de mapeamento, identificação de causas, mitigação de riscos e criação de planos de emergência que envolvam a atuação do Corpo de Bombeiros e dos atores locais.  Assim, o poder público contribui com o desenvolvimento de estratégias que garantam o comprometimento com as vidas das pessoas que participam da cadeia turística municipal.

Analisar as causas reais dos acidentes e garantir que as condições mudem para evitar novas mortes faz parte de uma gestão pública consciente focada na segurança turística.

Sobre a consultoria

Silvia Basile

Constituímos, em 2002, a Associação Férias Vivas que já trabalhou na elaboração de 41 Normas Técnicas ABNT NBR de Turismo de Aventura, sendo 17 Normas Técnicas internacionais ABNT NBR ISO. Junto com embaixadores e parceiros, criamos assim padrões de qualidade e segurança nas atividades de turismo no Brasil. Em 20 anos de atuação na área de conscientização e prevenção de acidentes no turismo, esta vivência proporcionou aos consultores da Associação Férias Vivas a capacidade analítica e a experiência prática para a implantação de projetos de gerenciamento de risco em destinos de turismo. Nossa articulação com o setor público se faz eficaz ao comprovar que iniciativas de sensibilização e gestão da segurança são essenciais para o desenvolvimento responsável do turismo.

  • sbasile@feriasvivas.org.br