“Venho por meio desta, denunciar o acidente fatal ocorrido em 14/04/2017 na Cachoeira dos Couros, localizada na Chapada dos Veadeiros, em região integrante do Município de Alto Paraíso de Goiás, no Estado de Goiás. Em razão de diversas irregularidades observadas no local e falhas imputáveis a diferentes responsáveis, conforme a seguir relatado, o jovem Bruno Cesar de Azeredo Bissoli se afogou nas águas da cachoeira em um trecho de acentuada profundidade e acabou falecendo.

O fato ocorreu ao longo de um passeio realizado por Bruno juntamente com um grupo de amigos e outros turistas que contavam com a orientação de um guia de turismo associado à Associação de condutores de visitantes da Chapada dos Veadeiros.

A contratação do passeio foi feita com o guia Rivelino, que combinou de levá-los a várias cachoeiras ao longo de 4 dias do feriado de Páscoa deste ano, cobrando um valor total de R$180,00 por pessoa. A princípio o grupo sob responsabilidade do Guia Rivelino para o passeio na cachoeira dos Couros em 14/04/2017 era formado por 10 pessoas, porém ao iniciar a viagem de 30 km até o local da trilha ele incorporou mais 2 pessoas, totalizando 12 turistas sob a sua exclusiva responsabilidade”.

Chegando ao local do passeio, os veículos foram estacionados e foi cobrada uma taxa de R$ 5,00 por pessoa. Na sequência, o grupo com as 12 pessoas iniciou uma trilha de difícil acesso e com aproximadamente 2800 metros até a chegada da penúltima cachoeira que compõe o completo da Cachoeira dos Couros, uma antes do Grande Cânion. Ao avistarem a cachoeira, o guia pediu a todos que descessem dela pelas pedras e adentrassem na água. Todos os 12 integrantes do grupo então entraram na água, nadaram e mergulharam no Rio.

Em determinado momento o guia Rivelino propôs aos integrantes uma atividade mais radical, que seria ir até a garganta da cachoeira com uma queda de aproximadamente 20 metros de altura com um forte fluxo de grandes volumes de água, a fim de que fizessem um mergulho ao lado do poço central da queda d’água, com 17 metros de profundidade.

Segundo orientação do guia, era preciso nadar pelo poço da cachoeira para que a corrente do outro lado arrastasse as pessoas de volta pelo curso do rio, até um “escorregador” de águas naturais que deveria levá-los de volta ao local de partida. O escorregador nada mais era do que uma plataforma de pedras acima do leito do rio, naquele trecho.

Apenas um grupo de 6 pessoas, todos homens, devidamente acompanhados pelo guia fizeram essa atividade, entre eles o Bruno.

Após o término dessa atividade, o grupo se reuniu em outro local ainda dentro do Rio enquanto se preparavam para um lanche. Nesse momento, o guia se ausentou do local para preparar seu próprio lanche, sem nenhuma instrução explícita ao grupo para que aguardassem o seu retorno antes de retomar as atividades na Cachoeira dos Couros.

Nesse momento de ausência do guia, o Bruno resolveu voltar ao local da atividade do “escorregador” junto com outro jovem chamado Pedro Pires Amorim, sem receber qualquer alerta por parte do guia para que não se dirigisse ao local. Fazendo novamente o trajeto que lhes acabara de ser ensinado pelo guia, Bruno e Pedro mergulharam exatamente no local onde a correnteza do “escorregador” deveria levá-los até o ponto de partida, junto ao grupo, porém somente Pedro retornou junto ao grupo pela correnteza. Bruno, mesmo realizando a manobra ensinada pelo guia imediatamente após Pedro, não foi mais visto pelo grupo e desapareceu nas águas do poço da cachoeira, que possui 17 metros de profundidade.

Após o retorno de Pedro junto ao grupo todos perguntaram por Bruno, quando Pedro percebeu que Bruno não estava logo atrás dele. Nesse momento, o guia já estava em estado de desespero e, pela primeira vez, mencionou ao grupo que Bruno e Pedro não deveriam ter voltado ao local da garganta da cachoeira sem seu conhecimento. Diferentemente dos demais integrantes do grupo, o guia tinha conhecimento sobre as reais condições do local e a sua reação de total desespero indicou a todos que algo realmente grave poderia ter acontecido com o Bruno. Tal reação, somada à experiência do guia resultante da exploração comercial do turismo da região, deixou claro ao grupo e a outros turistas que estavam no local de que ele tinha ciência do grande perigo, inclusive risco de vida, a que todo o grupo estava exposto ao nadar naquela região, especialmente para fazer a manobra do “escorregador” por ele ensinada.

A única reação imediata do guia foi ficar paralisado e falar que o Bruno não deveria ter voltado ao local. Uma das meninas integrantes do grupo, chamada Stella, solicitou que Rivelino, sendo o guia responsável pela segurança de todos os integrantes do grupo, ao menos fosse até o local para tentar resgatar Bruno. Apesar disso, o guia só conseguiu chegar até lá vários minutos depois e sem nenhuma ação, retornou e pediu ajuda para outras pessoas, pois neste momento Mariana Vilella (esposa de Bruno) estava desmaiada e o grupo todo já estava em pânico.

Dois turistas voltaram até o início da trilha para pedir ajuda e chamar os bombeiros. Os primeiros integrantes do Corpo de Bombeiros foram chegar ao local apenas 4 horas depois do ocorrido, pois não existe destacamento próximo ao local e nem na cidade de Alto Paraíso. A equipe que atua dentro do Parque da Chapada dos Veadeiros está baseada a 200 km de distância, na cidade de Minaçu.

Temos a informar ainda que o CAT (Centro de Atendimento ao turista), não apresenta nenhuma estrutura de atendimento para pessoas vítimas dessas situações traumáticas, a exemplo da esposa Mariana que foi levada para lá depois do acidente e ficou totalmente abandonada, sem nenhum cuidado que a situação exigia. Enquanto a Mariana estava no local, os integrantes do CAT ignoram completamente a delicada situação do momento e se limitaram a continuar fornecendo informações ao turista que ali apareciam, incluindo informações sobre o passeio da Cachoeira dos Couros, sem fazer qualquer ressalva quanto às questões de segurança que deveriam ser observadas mesmo após a ocorrência do afogamento de Bruno.

Os bombeiros encerraram as buscas por volta de 17h e retomaram-nas apenas no outro dia, comigo, Mauricio Vilella, sogro do Bruno, somente por volta das 12h. Essa demora para a retomada das buscas se deve ao fato de que o destacamento não possuía cilindros para mergulho que tiveram de que ser trazidos do município de Formosa, retardando o início da operação de resgate.

Por volta de 12h30 do dia 15/04/2017, o corpo de Bruno foi localizado a uma profundidade de 11 metros no poço da Garganta da Cachoeira. A retirada do corpo da água foi possível apenas por meio da ajuda de todos os bombeiros que estavam presentes e também da minha ajuda. Para o deslocamento até o início da trilha, local em que deveriam aguardar os responsáveis do IML, foi necessária não apenas o meu apoio e dos bombeiros, mas também de outros homens que tive que contratar no local para ajudar a levar o corpo e os equipamentos do resgate ao início da trilha. Após chegar ao local indicado pelos bombeiros no topo da trilha, fiquei ao lado do corpo pelo período de 5 horas até que um funcionário do IML chegasse ao local.

A Sra. Chálita, responsável pelo veículo do IML de Campos Belos (pois em Alto Paraíso de Goiás não há IML), informou, ainda no local, que não poderia levar o corpo para Campos Belos, pois não havia médico legista, então teria que removê-lo para o IML de Formosa, localizado a 200 km de distância. A Sra. Chálita informou ainda que o traslado para São Paulo teria que ser realizado ainda naquela noite, pois não havia espaço na geladeira do IML e o corpo, portanto, ficaria sob risco de decomposição. Além disso, o tratamento dado pelo IML ao corpo foi inadequado, já que nem todos os órgãos que deveriam ser retirados o foram, o que gerou ainda mais dificuldades ao longo do trajeto de transporte para São Paulo.

Para fazer o translado e o sepultamento, seria necessário ainda obter no Cartório de Alto Paraíso uma Declaração de Sepultamento. Todavia, o cartório não estava aberto nesse final de semana, e não havia nenhum funcionário de plantão, o que é obrigatório e deveria ter sido cumprido.

Outro fato grave é que não existe Delegacia de Polícia Civil que funcione aos finais de semana no local, não havendo nem mesmo plantonistas. Procuramos a Polícia Militar, porém esta se recusou a tomar qualquer providência, informando que deveríamos fazer o boletim de desaparecimento de uma pessoa, pela internet. O boletim foi então feito pela internet, com a ajuda da secretaria de turismo, Andréia Lopes no centro de Atendimento ao Turista, que forneceu alguns dados para confecção do BO (ex. endereço correto do local do acidente, nome completo do guia, etc).

Sem geladeira para manter o corpo no IML de Formosa, sem cartório e sem delegacia, tivemos que apelar para amigos, políticos e demais pessoas ao nosso alcance, na tentativa de obrigar as autoridades a cumprirem sua função, especialmente a Prefeitura a abrir o Cartório para formalização dos documentos necessários para transportar o corpo e conduzir o sepultamento. A abertura do cartório ocorreu apenas na manhã do dia seguinte, 16/04/2017, após a ameaça de denúncia à corregedoria.

Após todo esse transtorno e tempo perdido, não conseguimos mais remover o corpo por via aérea devido à burocracia envolvida e aos impactos que o transporte aéreo poderiam ter no corpo, dado seu estágio de decomposição. A única alternativa possível foi realizar a viagem pela via terrestre. Assim, após uma longa viagem de 13 horas de automóvel, na qual eu acompanhei o motorista da funerária, meu genro foi sepultado na Cidade de Rio Claro, estado de São Paulo, no dia 17/04/2017.  Em razão da falta de estrutura do IML e de todos os problemas relatados acima, foi necessário antecipar o horário do sepultamento das 16h para as 13h, em virtude do acelerado estado de decomposição do corpo.

Porque Aconteceu

Primeiramente porque um local de altíssimo risco, com histórico de outras mortes, jamais deveria ser roteiro de visita com a prática de mergulhos, especialmente sem que seja feito qualquer tipo de orientação sobre os riscos existentes no local.

Segundo, não existe nenhuma sinalização ou informação do perigo de morte em uma Garganta da Cachoeira com 17 metros de profundidade e sua violenta correnteza.

Terceiro, não existe nenhuma estrutura de segurança no local como guarda vidas, coletes salva vidas, materiais de primeiros socorros e pessoas preparadas para emergências.

Quarto, o CAT (Centro de Apoio ao Turista, órgão da Prefeitura), não poderia fornecer informações sobre passeios sem alertar sobre os riscos oferecidos pelas atividades, como dificuldade da trilha e perigo de morte na Garganta da Cachoeira, e também sem certificar-se se o guia responsável pelo grupo teria qualificação para a tarefa e condições de avaliar e informar os turistas sobre os riscos envolvidos no passeio.

Quinto, o Guia Turístico Rivelino, que acompanhou o grupo, deveria ter sido categórico ao informar aos turistas os riscos de afogamento envolvidos na atividade de manobra do “escorregador” e deveria, no mínimo, ter solicitado explicitamente que os turistas não tentassem essa manobra sem o seu acompanhamento a todo o tempo. Adicionalmente, dada a sua responsabilidade pela segurança do grupo na qualidade de guia turístico, ele não deveria ter deixado o grupo sem supervisão dentro do rio dos Couros. A conduta do guia ainda tem o agravante de que o seu serviço foi prestado fora dos padrões das normas da ABNT que regulam a atividade, pois ele acompanhava, sozinho, um grupo de mais de 10 integrantes.

Sexto, a cidade de Alto Paraíso não possui a mínima estrutura para receber esse número elevado de turistas, agravado pelo fato de aos finais de semana e feriados (maior frequência de turistas), não contar com Delegacia de Polícia Civil aberta, Cartório com plantonista, Destacamento de Bombeiros, além de IML e médico legista, em detrimento de possuir um número tão expressivo de acidentes graves e fatais.

Requerimento

Em vista dos acontecimentos acima descritos, peço que providências sejam tomadas com relação a todas as irregularidades verificadas na atuação das instituições, autoridades e prestadores de serviços mencionados, incluindo, sem limitação, medidas necessárias para responsabilizar o Guia Rivelino e a Associação de condutores de visitantes da Chapada dos Veadeiros  por sua conduta nos âmbitos civil, criminal, e administrativo.

Sem mais,

Mauricio Vilella