Acidentes em turismo: Cuidado!

Recentemente, o “Espaço Vital” publicou artigo de autoria da advogada Regina Vandeiro, intitulado “Férias sem Pesadelos” (03/11/05), em que ressalta várias questões a que deve atentar o consumidor, para que sua viagem seja, realmente, prazerosa. Aconselha pesquisa sobre a idoneidade da agência de viagens, sobre o preço, além de recomendar atenção a vários itens do contrato e prevenir-se com fotos, vídeos, material publicitário, para eventual prova de falha do serviço.

Além de oportuno, eis que as férias anuais estão se aproximando, as “dicas” são de muita pertinência e utilidade. De nossa parte, com a devida vênia, reiteramos as recomendações e queremos acrescentar o item SEGURANÇA, entre as cautelas a serem tomadas pelo turista.

A Associação Férias Vivas – https://feriasvivas.org.br é uma ONG cujo objetivo é a Segurança e Prevenção de acidentes em atividades de lazer e turismo. Infelizmente, sob o manto do “glamour” das férias, viagens, passeios, lugares paradisíacos, esconde-se uma realidade de ocorrência de acidentes, que deveria ser trazida à superfície, em prol do consumidor e do próprio setor turístico. É nesse campo que a ONG atua. No saite da AFV pode-se acessar o Relatório de Acidentes, onde são descritas as mais variadas ocorrências, desde simples torção do pé, até tragédias como a do Bateau Mouche.

O fator SEGURANÇA, juntamente com o valor VIDA, está inserido na Constituição Federal no artigo 5°, “caput”, integrante do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais -, como parâmetro dos direitos individuais e coletivos.

O valor VIDA é multifacetário, reunindo, como uma matriz, diversos outros valores decorrentes, com conteúdo próprio e pleno para ocupar outras categorias de direitos autônomos, passíveis de serem exigidos com independência de sua origem. É o caso da SAÚDE, da INTEGRIDADE FÍSICA, PSÍQUICA, EMOCIONAL, ESPIRITUAL, da ESTÉTICA, da plenitude de FUNÇÕES e SENTIDOS. Todos esses valores são atributos do valor matriz VIDA, mas cada um deles se constitui em direito pessoal, autônomo, sendo exigível o seu respeito contra terceiros. E o respeito a tais valores transcende aos seus limites, porquanto se tangidos esses limites, já se terá ferido o direito. É necessário, para a tranqüilidade do indivíduo, a sensação de que a integridade desses valores está garantida. Vale dizer: além da preservação desses direitos, o cidadão precisa usufruir a certeza de que há uma larga margem de segurança, que protege tais direitos fundamentais. Daí porque se acrescenta o valor SEGURANÇA, também contemplado na nossa Constituição, no mesmo dispositivo que consagra o valor VIDA.

As atividades praticadas pelo setor turístico se enquadram na categoria de “prestação de serviços” e estão abrangidas pelo Código do Consumidor – Lei 8.078/90 – que, por seu turno, também consagra como direito básico do consumidor, ao lado de outros postulados que decorrem da mesma premissa, a proteção da vida, saúde e segurança (inciso I do art. 6°).

Nossos tribunais têm acolhido demandas em que se postula ressarcimento e indenização para danos materiais e morais causados por acidentes em atividade de lazer e turismo, justamente com base na Constituição Federal e no CDC. Ao prestador do serviço aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva, em que não se perquire sobre culpa (ou dolo), cabendo-lhe indenizar o cliente, simplesmente pelo risco da atividade (art. 14). Também como direito básico do consumidor, o art. 6°, inciso VII assegura “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos…”.

O turista brasileiro, por uma questão cultural ou mesmo por desconhecimento, não postula judicialmente seus direitos, com a mesma freqüência em que ocorrem os acidentes, optando por “deixar prá lá”. Todavia, a condenação dos responsáveis tem dúplice função: ressarcir os prejudicados e – muito importante – agir como fator desestimulante da prática irresponsável, obrigando os empresários e profissionais do setor a cercarem-se das medidas preventivas necessárias a garantir a Segurança de seus clientes.

Atualmente, em face do crescente desenvolvimento do chamado “turismo de aventura”, em que se praticam atividades “radicais”, tem crescido o número de ocorrências de acidentes, inclusive graves e fatais. São quedas de asa delta, ultra-leves, bungee jump, de escaladas, cachoeiras, etc.

Também no saite da AFV têm-se acesso a um banco de jurisprudência específica de ações em casos de acidentes com turismo.

O Ministério do Turismo identificando a necessidade de profissionalização do setor e atento ao potencial econômico do turismo no país apóia e fomenta ações para projetos de normalização e certificação através do Comitê Brasileiro de Turismo CB-54 da ABNT.

O âmbito de atuação do CB-54 é a normalização no campo do turismo (hotelaria, restaurantes e refeições coletivas, agenciamento e operação e demais funções do setor de turismo), compreendendo a normalização de serviços específicos do setor de turismo e de ocupações e competências de pessoal, no que concerne a terminologia, requisitos e generalidades.

Devido à necessidade de se combater e prevenir acidentes na prática do turismo de aventura, o Ministério definiu esse segmento como prioritário para o desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Certificação em Turismo. O tema é complexo e envolve diversas modalidades, com níveis de risco e incidência de perigos bastante diferentes, pois envolve pessoas (tanto os clientes ou usuários quanto os prestadores de serviços), equipamentos, procedimentos e as próprias empresas prestadoras dos serviços. Contudo, o grau de influência de cada um desses fatores, varia de modalidade para modalidade. Assim, para controlar os riscos e prevenir os acidentes deve-se abordar esses três fatores nas diferentes modalidades.

A normalização e os procedimentos de avaliação da conformidade (em particular a certificação) são instrumentos que têm se mostrado úteis e extremamente eficientes para lidar com a questão da segurança numa grande variedade de atividades humanas. Temos como exemplo de sucesso, o processo de normalização estabelecido pela Construção Civil nos últimos 15 anos. Parece razoável que se recorra a elas para tratar da segurança no turismo de aventura.

Assim o Projeto de Normalização e Certificação em Turismo de Aventura, visa identificar os aspectos críticos da operação responsável e segura do turismo de aventura e subsidiar o desenvolvimento de um conjunto de normas técnicas para as diversas atividades que compõem o setor. Iniciado em dezembro de 2003, o Projeto é uma iniciativa do Ministério do Turismo (MTur), que tem como entidade executora o Instituto de Hospitalidade (IH). O projeto pretende ao todo, desenvolver 19 normas, que abordarão assuntos como:

  • competências mínimas para condutores, que deve ter um impacto significativo nas atividades de turismo de aventura, pois visa criar um novo parâmetro de qualidade na formação profissional do segmento.
  • informações mínimas que especifica os requisitos gerais mínimos de informações, relacionadas a segurança e aos aspectos contratuais pertinentes, com respeito a produtos ou serviços que incluam atividades de turismo de aventura, a serem proporcionados a clientes potenciais, oferecidos por uma organização ou pessoa, antes da formalização da compra.

Gestão da segurança que especifica requisitos para um sistema de gestão no turismo, quando uma organização:

  1. Necessita demonstrar sua capacidade para assegurar a prática de atividades de turismo de aventura de forma segura e que atendam aos requisitos do cliente e requisitos regulamentares aplicáveis;
  2. Retende aumentar a satisfação e segurança do cliente por meio da efetiva aplicação do sistema, incluindo processos para melhoria contínua do sistema e a garantia da conformidade com requisitos do cliente e requisitos regulamentares aplicáveis. Estes três exemplos de normas, considerados transversais, estão sendo encaminhados para consulta pública no começo do mês de outubro com prazo de 60 dias em consulta nacional;

O restante do conjunto de normas proposto estão com suas comissões de estudo implantadas e em processo de elaboração do texto de norma, e estão relacionadas aos procedimentos, competências e equipamentos das seguintes atividades: cavalgada, cicloturismo, caminhada, arvorismo, técnicas verticais, turismo com veículos fora de estrada, canionismo, e espeleoturismo, cachoeirismo e rafting.

Além disso foi estabelecida uma comissão de estudo para definir a terminologia para o Turismo de Aventura, tendo em vista a necessidade de definir termos e padronizar referências em alinhamento com as Norma ISO de classificação de termos turísticos para hotelaria e agenciamento de viagens.

Depois de aprovadas e publicadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), as normas brasileiras para o turismo de aventura passarão a ser utilizadas pelo Ministério do Turismo como instrumento de definição de políticas públicas e será implantado um programa de incentivos para que empresas e profissionais tenham na certificação um mecanismo de diferenciação e competitividade.

Estamos assistindo ao início do processo de profissionalização do turismo no país que pretende-se, será estendido para todos os segmentos permitindo que seja finalmente estabelecido um padrão que permitirá ao consumidor separar o joio do trigo. Importante notar que uma vez iniciado, o processo de normalização é totalmente autônomo, independente de mudanças de governo ou de decisões políticas. Estamos claramente no início de uma nova era que permitirá colocar não só o país nos roteiros turísticos internacionais, mas principalmente irá acabar com o amadorismo e informalidade dos nossos prestadores de serviços.

por Ieda Maria Andrade Lima – advogada e assessora jurídica da Associação Férias Vivas
e Sílvia Maria Basile – arquiteta e presidente da Associação Férias Vivas