Indenização por acidente em turismo

Interessante questão se coloca na análise de quem pode interpor ação pleiteando ressarcimento ou indenização pelas conseqüências de um acidente em turismo. Juridicamente, o termo adequado é “legitimidade ativa”, ou seja, a(s) pessoa(s) que pode(m) ser autora(s) nesse tipo de ação.

Primeiramente, vamos distinguir os dois tipos principais de danos: danos materiais e danos morais.

Danos materiais são aqueles que afetam bens patrimoniais, sendo, na sua grande maioria, caracterizados por dispêndios com médicos, hospitais, medicamentos, órteses, próteses, fisioterapia, transporte, outros tratamentos necessários e, eventualmente, ressarcimento de danos a bens de propriedade ou posse do acidentado. Há também, os lucros cessantes: quantias que o acidentado deixou de auferir em virtude do evento. Exemplo clássico é o do taxista que, tendo fraturado a perna, não pode trabalhar durante o tempo necessário à sua recuperação e, assim, deixou de ganhar o valor que receberia se trabalhando estivesse. Devemos citar, também, o pensionamento: importância mensal devida aos dependentes econômicos da vítima, no caso de óbito ou se resultar incapacidade (parcial ou total) para o trabalho.

O reembolso das despesas não acarreta grande questionamento. O principal legitimado para pleitear o ressarcimento é a pessoa que assumiu o encargo (que pagou ou foi debitado). Geralmente é a própria vítima. Mas pode ser um familiar, um amigo, a empresa empregadora, etc. Provando ter suportado as conseqüências patrimoniais decorrentes do acidente, estará legitimado a figurar como autor na ação.

Quanto aos lucros cessantes, a legitimação é da própria vítima, posto que ficou impedida de obter a renda que receberia se não fosse o acidente.

Já para o pensionamento, são legitimadas as pessoas que são ou seriam (no futuro) eventualmente, dependentes econômicos da vítima (em caso de óbito ou de incapacidade total ou parcial para o trabalho). Na sua grande maioria, os tribunais têm deferido o pensionamento aos filhos, cônjuge e pais do acidentado. Há atribuição de pensão ainda, a outras pessoas que provem serem seus dependentes econômicos, como sobrinhos, netos e mesmo não familiares sustentados pela vítima. Nesses casos, entretanto, a demonstração tem provar dependência econômica atual (não eventual ou futura) e efetiva e os juízes são mais rigorosos na apreciação do pedido.

No que se refere a danos morais, a questão não é pacífica e traz curiosas situações a serem analisadas.

O dano moral pode ser conceituado como as conseqüências não patrimoniais advindas do acidente que infringiu bem juridicamente protegido. Como sabemos, a Constituição Federal assegura a garantia do direito à Vida, nesta incluídas a integridade física e a Saúde, além do direito à Segurança (art. 5°, “caput”). Também o Código de Defesa do Consumidor estabelece como direito do consumidor, a proteção à Vida, à Saúde e Segurança (art. 6°, I). A infringência a esses direitos, além dos danos materiais, pode provocar e, via de regra provoca, danos morais. É o caso de dor, aflições, angústias, incertezas, humilhações, vexames, constrangimentos, vergonha, consternação, ou seja, sentimentos negativos que geram distúrbios emocionais e afetam o bem estar do indivíduo.

Na classificação de dano moral, não há “limite” estabelecido para a intensidade do sentimento. Tanto pode ser a dor pela perda de um filho, como constrangimentos por queda de escada, de que não resultou lesão física. O que há é proporcionalidade na quantificação do valor a ser indenizado.

Evidentemente, simples contratempo ou mero dissabor em virtude de fatos corriqueiros, não são admitidos como indenizáveis. Assim decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná1: “Consumidor. Prestação de Serviço. Hotel de Recreação. Cliente impedido de jogar tênis por 1 dia em quadra coberta. Dano moral. No hotel, com inúmeras atividades esportivas e recreativas, à disposição dos hóspedes, a impossibilidade de uso de quadra de tênis coberta por um dia, sendo que durante a estada o consumidor praticou o referido esporte nos demais dias, não propicia dano moral, mas mero aborrecimento”.

Mas, sendo reconhecida a ocorrência de dano moral, quem o suportou (ou está suportando, pois há dores permanentes), teria, em princípio, legitimidade para postular indenização. Há, entretanto, situações em que essa assertiva não pode ser observada rigorosamente.

Analisemos as seguintes situações:

  1. Falece em acidente, um rapaz jovem, solteiro e os pais ingressam com ação judicial pedindo indenização por danos morais em virtude da perda do filho;
  2. Falece em acidente, um famoso cantor de rock, e vários admiradores, do mundo inteiro interpõem ações judiciais por danos morais.

A resposta, em ambos os casos não é difícil. Para a hipótese “a”, é evidente a legitimidade ativa dos pais da vítima. A dor da perda de um filho é tão verdadeira e intensa que não é necessário nem prova dessa dor. E, para a hipótese “b”, igualmente evidente é a falta de legitimidade ativa dos admiradores do cantor. Não obstante se possa reconhecer os efeitos do óbito do artista, no espírito de uma legião de fãs, que ficaram privados de suas músicas, carecem tais pessoas do direito de indenização. Assim também ocorreria com relação a qualquer outra personalidade pública, como estadistas, pessoas missionárias, emblemáticas. Podemos citar o Presidente Kennedy, Madre Tereza de Calcutá, Gandhi, Princesa Diana, etc.

Isto porque, além dos efeitos deletérios do acidente no espírito de determinada pessoa, o direito à indenização não pode ser ampliado além de certos limites, sob pena de inviabilizar o exercício desse direito. Ademais, a perda deve estar sustentada por uma relação íntima e direta com o acidentado, normalmente evidenciada por laços familiares e afetivos.

A jurisprudência nos proporciona exemplos em que foram admitidos como legitimados, avós da vítima23, irmãos e sobrinhos4, companheira5. Mas em determinado caso, não admitiu como legitimada, pretensa concubina, por ausência de comprovação da união estável.6

Deve-se, portanto, analisar cada caso, verificando a ocorrência ou não de dano moral para a parte que postula indenização e, também, sua relação com a vítima. Há quem sustente que se deve adotar como limite, até o quarto grau de parentesco, porquanto o Código Civil, em seu artigo 1.839, admite como herdeiros, na falta de outros mais próximos, os colaterais até o quarto grau, que correspondem, por exemplo, a primos, tios-avós e sobrinhos-netos.

Por outro lado, pode-se suscitar a seguinte dúvida: a interposição de ação por um legitimado exclui o direito de outro eventual legitimado? Vale dizer, se um dos pais ingressa com ação, o outro fica impedido? E se for um avô ou irmão?

No direito sucessório, via de regra, os parentes mais próximos excluem os mais remotos. Exemplo: se há filhos, os sobrinhos não herdam. Se há netos, os primos não herdam. Poder-se-ia adotar esse mesmo critério?

Opinamos pela resposta negativa. Cada um dos legitimados tem o direito de pleitear indenização e ao juiz cabe estabelecer a relação do grau de ligação existente entre o autor e a vítima e a consonância com a intensidade do dano moral causado. Podem, portanto, irmãos pleitearem separadamente, ação judicial, mesmo após os pais o terem feito anteriormente.

A falta de norma legal explícita, disciplinadora de cada situação não retira o direito dos familiares ou de outras pessoas abaladas pelas conseqüências do acidente. Cabe ao julgador decidir com prudente arbítrio, bom senso e segundo a analogia e princípios gerais do direito.

2 TACPR, Ap. Cível 0250452-3, Rel. Ronald Schulman, j.02/03/04. 3 TJSP, Ap. Cível 135.452-5-0, Rel. Osvaldo Magalhães, j. 30/03/04. 4 STJ, Resp 239009, Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 13/806/2000. 5 TARJ, Ap. Cível 7094 95, Rel. Nilson de Castro Dias, j. 18/06/96. 6 TRF2, 6a.T., Rel. Sérgio Schwaitzer, j. 15/06/04

Por Ieda Maria Andrade Lima
advogada e assessora jurídica da AFV