Para uma Aventura mais Segura

Cada vez mais fala-se sobre a necessidade de maior segurança nas atividades de aventura no Brasil. Infelizmente, conforme a indústria da aventura cresce, aumenta também o número de acidentes.

Ainda existe uma enorme tendência de se ‘abafar’ a notícia de um acidente. Ele costuma ser, simplesmente, varrido para debaixo do tapete e esquecido. Talvez devido à miséria e violência que aqui existe, morrer em acidente durante uma atividade de aventura é visto como algo aceitável. “Afinal, o falecido foi procurar sarna para se coçar”, dizem. Quando um acidente fatal acontece e a mídia o expõe, o assunto entra na pauta de todos por algum tempo, mas acaba sendo deixado de lado, pois existem assuntos muito mais agradáveis para se comentar… até que outro acidente ocorra.

É uma pena! Um acidente grave ou fatal deveria ser um marco de enorme importância, gerador de muitas mudanças conseqüentes de esforços conjuntos para que o mesmo nunca mais viesse a ocorrer. Ele deveria ser investigado exaustivamente para que os fatores que o geraram fossem identificados e corrigidos, não só pelos envolvidos diretamente, mas por toda a indústria.

Muita gente responsabiliza a falta de certificações reconhecidas nacionalmente como sendo a grande culpada dos acidentes. Mas ao analisá­-los podemos, na grande maioria dos casos, identificar falhas administrativas como seu principal agente causador. A meu ver, as operadoras, por meio de atitudes administrativas, poderão tornar-se mais capazes de efetivamente, contribuir para tornar as atividades de aventura mais seguras.

Obviamente concordo que é enorme a importância de certificações de reconhecimento a nível nacional. Elas provavelmente elevarão a qualidade dos profissionais que trabalham em campo e conseqüentemente contribuirão paulatinamente para o aumento da qualidade e segurança na indústria. Mas há coisas que se pode fazer imediatamente, que são capazes de dar ótimos resultados. Por exemplo, apesar de ainda não termos leis ou normas específicas para o turismo de aventura, a nível nacional, existem leis que protegem nossos direitos como consumidores. Elas são as nossas maiores aliadas na luta pela melhoria da qualidade dos serviços, porque o cliente pode ser o verdadeiro fiscal desses serviços ao exigir seus direitos com mais freqüência do que atualmente ocorre.

Quando compramos um produto ou contratamos um serviço qualquer, esperamos que este nos ofereça o retorno prometido: a televisão terá uma boa imagem, o hotel será confortável, o médico acabará com aquela dor nas costas, a viagem será agradável, etc.

Depositamos confiança em quem fabrica ou nos vende. Portanto não aceitamos que nos desapontem. Em alguns casos, porém a televisão não liga, o hotel é barulhento, a dor continua, o ônibus quebra na estrada, etc. Pior ainda é que por vezes esses produtos ou serviços nos põem em risco, causando-nos, além dos danos materiais, outros à nossa saúde, podendo até nos matar.

O mesmo ocorre quando contratamos uma operadora de ecoturismo e/ ou atividades de aventura.Confiamos em que ela nos proporcionará tudo aquilo que anunciou. E acreditamos que a segurança dos clientes seja um direito implícito a todos os serviços por ela oferecidos. Mas, se não conferirmos rigorosa e antecipadamente o prometido podemos nos dar muito mal.

Como já disse, os verdadeiros fiscais da qualidade de serviços na industria do ecoturismo e turismo de aventura podem e devem ser os próprios consumidores. Portanto, deveríamos nos obrigar a ter conhecimento dos direitos básicos do consumidor, previstos no Código de Defesa do Consumidor, que são, entre outros: o direito de ter “a proteção da vida, da saúde, e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”; e também direito “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentam”. Se agirmos assim as atitudes administrativas das operadoras vão melhorar e, na prática, as atividades de aventura vão se tornar muito mais seguras.

Portanto recomendo que as preocupações das operadoras com relação à segurança do cliente comecem já no primeiro contato ou ainda antes, material publicitário. Os textos informativos que devem deixar claras as propostas da empresa, assim como passar todos os detalhes relevantes sobre a atividade, evitando a venda de gato por lebre. Saber exatamente em que tipo de atividade irá participar, não só é um direito do cliente, mas também é um fator intimamente relacionado com a sua segurança e a de outros participantes.

Se um cliente tem pavor de altura e resolve inadvertidamente participar de um passeio oferecido por uma operadora que implica em percorrer terreno difícil sobre pedras altas e expostas, ele não só estará fazendo algo que não gostaria como também estará multiplicando as chances de sofrer um acidente.

Assim, ao contratar os serviços de qualquer operadora, exija uma detalhada descrição escrita da atividade, seu grau de dificuldade, nível técnico exigido, os riscos envolvidos, equipamentos e vestimentas necessárias. E fique atento a anúncios que garantam uma atividade “100% segura”. Riscos e perigos são características inerentes a qualquer atividade de aventura e ecoturismo e, portanto dizer que eles não existem pode ser um sinal de que não há muito compromisso com a verdade.

Muitas operadoras exigem que seus clientes assinem um Termo de Responsabilidade, que em sua maioria parece isentá-las de qualquer responsabilidade no caso de um acidente. Entretanto mesmo que esse Termo seja assinado, tanto o cliente continua a ter os mesmos direitos que já mencionamos quanto às operadoras continuam a ter as mesmas responsabilidades. O termo, porém, é útil para garantir à operadora que o cliente tomou ciência da natureza da atividade e dos riscos envolvidos.

Infelizmente, estar bem informado sobre as características da atividade e seus riscos, não é tudo. É apenas um primeiro passo que, mesmo sendo simples, não é implementado por um grande número de operadoras nesse Brasil afora.

Muitas outras medidas precisam e poderiam ser tomadas pelas operadoras para gerenciar riscos em suas atividades. Algumas dessas medidas são mais fáceis de serem percebidas pelo cliente, outras não.

Entre as mais fáceis estão os procedimentos de segurança que antecedem a atividade ou que são realizados no seu transcorrer. Eles devem ser comunicados a todos os participantes, quando possível de forma verbal e por escrito. É interessante notar-se que mesmo algumas atividades aparentemente fáceis como um passeio por uma trilha, apresentam riscos. E difícil para um cliente perceber riscos em um ambiente desconhecido, porém é muito comum o monitor/ instrutor/ condutor/ etc. achar que tal risco é óbvio e, por essa razão nenhum aviso será dado. Porém é responsabilidade da operadora identificar tais riscos e prevenir seus clientes.

A qualidade dos equipamentos técnicos utilizados (cadeirinhas, capacetes, cordas, etc.) também é um bom parâmetro para se avaliar a seriedade da operadora com relação à segurança. Estes equipamentos devem ser preferencialmente certificados seguindo padrões internacionais.

Finalmente, recomendo que a utilização de funcionários capacitados com cursos de primeiros socorros também deve ser considerada como uma exigência básica dos clientes principalmente quando a atividade acontece longe de centros urbanos. Nos EUA, Canadá, Austrália e em outros países que seguem padrões mais rigorosos de segurança, a maioria das empresas que trabalham com atividades de aventura em áreas remotas exigem de seus funcionários um treinamento específico à ambientes naturais de pelo menos oitenta horas. No Brasil o mais comum é se encontrar profissionais com treinamento de atendimento apenas urbano de vinte horas. É fundamental não se deixar de ter um bom kit de primeiros socorros para ser levado a campo. Já vi empresas com ótimos kits que ficavam no escritório da operadora.

Tudo o que dissemos nessa matéria resume-se, na verdade, a uma só constatação: apenas com um esforço conjunto entre empresários, associações esportivas, meios de comunicação e os próprios praticantes e clientes, essa industria caminhará para o aumento da segurança, conseqüentemente aumentando a qualidade dos serviços oferecidos e as probabilidades de todos se darem muito bem no mercado.

Por Pedro C. Cavalcanti
É instrutor da Outward Bound Brasil, instrutor de Leave No Trace pela NOLS e Técnico em Emergências Médicas para Áreas Remotas (W-EMT). Desde 2003 administra sua empresa, a Adventure Factory, empresa parceira da Associação Férias Vivas, prestando consultoria em Gerenciamento de Riscos para atividades de aventura.