Uma questão de concretização da cidadania: A sociedade organizada para lutar por seus direitos

Fruto de um trabalho paulatino de abnegados defensores dos direitos dos mais vulneráveis, o movimento de defesa do consumidor teve um elevado crescimento em todo o mundo nos últimos cinqüenta anos.

Partindo-se praticamente do nada, no Brasil, esse crescimento foi mais significativo a partir da Constituição Federal de 1988 e da conseqüente edição do Código de Defesa do Consumidor – CDC, em 1990, vez que aquela dispunha que a defesa do consumidor é dever do Estado e princípio da ordem econômica (art. 5o, inc. XXXII, art. 170, inc. V e art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e o CDC veio explicitar os direitos que propiciariam a defesa dos interesses dos consumidores.

Com essa nova lei, os fornecedores (empresários, comerciantes, industriais, prestadores de serviço etc.) foram levados a cumprir uma série de obrigações para com aqueles que adquiriam seus produtos ou contratavam seu serviços. Ao mesmo tempo, os consumidores perceberam que não estavam mais abandonados à vontade dos fornecedores, que lhes provocavam graves prejuízos e aborrecimentos.

A partir daquele momento, havia um instrumento capaz de regular esse, muitas vezes, conturbado, relacionamento.

Seguindo a política nacional de defesa do consumidor, cujas linhas mestras são apresentadas no próprio CDC, foram criados PROCONs por todo o país, Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, Delegacias de Polícia especializadas na matéria, Juizados Especiais Cíveis, enfim, todo um aparato governamental para amparar as reclamações dos consumidores.

Ora, todos somos consumidores ou estamos expostos a práticas de consumo as vinte e quatro horas do dia. Se dormindo, usamos lençóis, travesseiros, camas e colchões, mantemos ao menos a geladeira e um ventilador ligados… Mesmo sem gastar, somos bombardeados por panfletos, outdoors, comerciais de televisão, de rádio, de jornal, de revista…

Em razão disso, aqueles órgãos de governo não dão conta, sozinhos, de resolver os freqüentes problemas que surgem nas relações de consumo.

É bem verdade que temos evoluído nesse aspecto, mas só teremos uma efetiva defesa dos direitos dos consumidores quando estes, conscientes de seus direitos e obrigações, mas sobretudo, de sua força, se mobilizarem.

Tem grande importância, sim, o trabalho do indivíduo que, sozinho, comparece ao PROCON ou a um outro órgão, para reclamar de um desrespeito a direito dele. Por tal, deve ser elogiado e incentivado. No entanto, tão importante quanto isso, ou talvez mais, pela abrangência da atitude, é a criação de associações de defesa do consumidor.

Através dessas associações, nós temos a população organizando-se para lutar pelos seus direitos, diretamente junto às empresas, ou pela intermediação de órgãos públicos de defesa do consumidor, como as Promotorias de Justiça.

Essa luta, travada pessoalmente pelos cidadãos associados é mais legítima, pode tratar de assuntos de interesses mais ligados àquela comunidade que se mobilizou. Tem mais força, mais repercussão, surte mais efeitos.

No que concerne às atividades de turismo, o consumidor está freqüentemente exposto a danos, quer de ordem material, quer moral, quer físico, quer psíquico.

Contratos com operadoras ou agências de viagem trazem, quase sempre, cláusulas abusivas, que violam direta ou indiretamente o Código de Defesa do Consumidor. Isso quando é apresentado um contrato para assinatura…

Muitos dos compromissos, promessas ou ofertas anunciados antes da contratação do pacote turístico ou de determinado passeio, não chegam a concretizar-se, levando frustração e desprazer àqueles que pretendiam ver um sonho realizado, quase sempre com o emprego de consideráveis recursos financeiros.

Por vezes, no desenvolvimento de atividades turísticas, desde um simples passeio de ônibus ou de buggy, ou na prática de ecoturismo ou de esportes ditos radicais (ou nem tanto), o emprego de equipamentos inadequados, de guias ou instrutores despreparados ou da simples falta de cautela, surgem danos aos consumidores. Danos esses, em algumas ocasiões, irreparáveis.

O Poder Público no Brasil é inegavelmente desprovido de competência para fiscalizar e prevenir danos aos consumidores de produtos e serviços turísticos de maneira eficiente e eficaz.

Por isso, estamos freqüentemente “correndo atrás do prejuízo”.

O papel do consumidor consciente e da associação para a defesa de seus interesses reside em ocupar essa lacuna deixada pela Administração.

Não se trata, aqui, de fazer o trabalho do governo no lugar dele. Não. Na verdade, a questão reside em fazermos cada um de nós o papel que nos cabe na defesa de nossos direitos. Ora, se nós negligenciamos na cobrança do cumprimento de uma legislação em nosso benefício, como podemos querer que os fornecedores e o Poder Público tenham para conosco mais atenção do que a que temos nós mesmos?

Cabe às associações difundir os direitos dos consumidores. A uma entidade como a Associação Férias Vivas cumpre o relevante papel de lutar pela prevenção de danos aos consumidores de produtos e serviços turísticos. Essa luta desenvolve-se em diversas frentes (confira no endereçowww.feriasvivas.com.br os objetivos da entidade), mas que podem ser resumidas em conscientização de empresários e consumidores, prevenção de danos de toda espécie e luta por respeito aos direitos consagrados em nossa legislação, quer judicial, quer extrajudicialmente, relativos aos consumidores e ao exercício de atividades ligadas ao turismo, seja pelo Poder Público, seja por particulares.

Uma coisa é ter o governo (e os seus diversos órgãos), com todas as suas deficiências, responsável pelo respeito à segurança e integridade física e patrimonial dos consumidores e outra, completamente diferente, é chamar para si parte dessa responsabilidade.

Embora vivamos em um país situado em segundo lugar no mundo em termos de carga tributária, estamos muito longe de um emprego racional e eficiente do muito que o governo arrecada, faltando, em razão disso, recursos para tudo. Se não fizermos por nossa segurança e integridade, o governo pouco ou nada fará, mormente em termos preventivos.

Daí a necessidade de uma associação forte, responsável e adequadamente administrada. Em tais condições, a organização não governamental tem plenas condições de lutar com altivez na busca de resultados efetivos em prol dos consumidores.

Examine o seu entorno. Veja o que está errado. Imagine em quê ou o quê pode ser melhorado. Junte-se a outros cidadãos conscientes. Ajude a conscientizar os demais. Você pode fazer um país melhor e será, com isso, um verdadeiro cidadão.

Por José Augusto Peres Filho
É colaborador voluntário da Associação Férias Vivas, Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor em Natal/RN, professor de Direito do Consumidor na Escola Superior da Magistratura do RN e da Universidade Potiguar.