Valor da indenização por danos materiais e morais em acidente de turismo

Interessa-nos analisar o tema sob o ponto de vista de acidentes em atividades de turismo, recreação e lazer. E, nessa ótica, os danos que resultam da infringência aos valores Vida, Saúde, Integridade Física e Segurança.

Tais valores são garantidos pela Constituição Federal (art. 5° “caput”) e bem, assim, pelo Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 -, no inciso I do artigo 6°, como direito básico.

Tratando-se de bens juridicamente protegidos, em havendo danos, nasce para a vítima o direito de ressarcimento ou indenização.

Basicamente, os danos podem ser materiais, que correspondem à recomposição de perdas patrimoniais (passadas, presentes e futuras) e morais, ou sejam, a compensação por lesões extra-patrimoniais, conforme adiante será melhor especificado.

Quanto aos danos materiais, nunca houve grandes celeumas, tendo guarida tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, a condenação para ressarcimento das despesas realizadas em virtude do fato lesivo.

Inicialmente, tais despesas correspondiam a honorários médicos, conta de hospital, medicamentos e, em caso de óbito, despesas com funeral. Outros itens foram se agregando, de forma que, atualmente, encontra-se nas decisões, a ampliação desse rol, incluindo tratamentos fisioterápicos, órteses, próteses, despesas com transporte, com assistência de enfermagem, estadia quando necessária em local diferente do domicílio da vítima, etc…

Firmou-se, ainda, a obrigação de cobrir os chamados “lucros cessantes”, ou seja, valores que a vítima deixou de auferir em virtude do acidente. Exemplo clássico é o do taxista que, tendo fraturado a perna, fica sem poder exercer seu ofício e assim, auferir a respectiva renda, pelo tempo necessário ao seu restabelecimento. Outros casos também geram o direito a lucros cessantes, como o do vendedor, pelas vendas não realizadas, pelo executivo, pelos negócios não fechados, pelo médico, em face das cirurgias não realizadas, etc…

Outra modalidade que também integra os danos materiais, é o pensionamento. Referem-se a valores – geralmente mensais -, fixados em favor da vítima, quando resulta incapacidade para sua atividade laborativa, total ou parcial, permanente ou definitiva. No caso de óbito, o pensionamento é fixado em favor dos dependentes da vítima. Importante anotar que as decisões têm atribuído pensionamento não apenas aos dependentes atuais, ou seja, da data do acidente, mas também, aos virtuais futuros dependentes. Faz-se uma projeção, dentro do que normalmente ocorre na sociedade, para concluir que, se não ocorresse o acidente, aquela vítima proveria a subsistência de seus pais ou filhos, apadrinhados, etc… Exemplo: falece um rapaz de 15 anos em queda de cachoeira, quando praticava rapel, sendo responsável, seu instrutor: podem seus pais pleitear pensionamento tendo em vista que, uma vez ingressando no mercado de trabalho, o filho contribuiria para o orçamento familiar. Os valores e período de duração do pensionamento são fixados segundo critério do julgador, não havendo consenso na jurisprudência, que apresenta situações muito variadas.

O banco de jurisprudência da Associação Férias Vivas, disponível no site https://feriasvivas.org.br, pode ser consultado para se ter noção da imensa variedade de valores e critérios na fixação do pensionamento.

No que pertine aos danos morais, o panorama é ainda mais variado. Lembremos que a indenização por danos extra-patrimoniais não foi aceita desde logo, nem pela doutrina e muito menos pela jurisprudência. Atualmente, a doutrina é pacífica ao reconhecer esse direito. A jurisprudência também tem aceitado a indenização por danos morais. Contudo, essa aceitação tem sido muito parcimoniosa, especialmente na fixação do valor a ser indenizado.

A origem da relutância em acolher plenamente a obrigação de indenizar o dano moral, reside na própria causa, vale dizer: o dano moral refere-se à dor, aflições, constrangimentos, angústia, vergonha, que a vítima experimentou ou experimenta, decorrentes do evento lesivo. Há quem não admita que se fixe valor como compensação pela morte de um ente querido, pela perda de um membro, perda de visão, pela angústia, vergonha, etc…

Mas a doutrina já demonstrou que não se trata de “por preço” para a dor. Deve-se ter em conta que houve lesão a um bem juridicamente protegido e o Direito não pode deixar de atribuir uma condenação ao agente causador do evento lesivo, simplesmente porque não há como restaurar a perda, recuperando o bem lesado. Com efeito, não há como fazer ressuscitar a vítima e, muitas vezes, nem mesmo a mais moderna medicina consegue impedir a amputação de um membro, a perda da visão, perda de audição, etc…

Seria uma contradição que ficasse impune o ofensor, pelo fato de não se poder restaurar o bem ofendido.

O Direito não pode abrigar impunidades. E, tratando-se de uma sociedade capitalista, onde o parâmetro principal é a moeda, a condenação deve traduzir-se em moeda.

A solução não é inédita. Por exemplo: quando há obrigação de fazer e a pessoa se recusa a praticar o ato a que se comprometeu, a alternativa possível é condenação em determinado valor. Assim, se um pintor for contratado para pintar um quadro e se recusa a fazê-lo, não há como juiz obrigá-lo. Não pode o oficial de Justiça segurar em sua mão e fazer com que pinte o quadro. Mas, por ter infringido uma obrigação a que se comprometeu, é condenado a pagar à outra parte, em valor que represente, o mais próximo possível, a indenização justa por sua inadimplência.

Assim, ocorre com o dano moral: sendo impossível eliminar os danos extra-patrimoniais resultantes do ato lesivo, há que haver condenação em dinheiro, a favor da vítima.

A medida tem duplo objetivo: o primeiro é de se compensar o lesado, pela perda sofrida e o segundo é que a condenação funcione como punição e assim, como elemento inibidor de repetição de infringência a direito do próximo. Esse último efeito atua não apenas na pessoa do agente lesionador, mas também atua no ânimo de terceiros, que, receando eventual condenação, trata de evitar infringir valores de terceiros, juridicamente protegidos.

Como já dissemos, nossos julgadores, especialmente os tribunais têm sido muito parcimoniosos na fixação do valor do dano moral. Teoricamente não divergem os critérios: o valor deve ser correspondente ao dano ocasionado no espírito do postulante e ser levada em consideração a situação sócio-econômica tanto do autor, como da parte demandada. O resultado dessa aferição tem produzido variada gama de valores. Para o mesmo tipo de lesão, encontra-se valores muito discrepantes, que não guardam correlação uns com os outros.

Efetuando um levantamento de acidentes de turismo que resultaram em óbito, analisamos 40 casos, apurando os valores de condenação para o dano moral. Vejamos o resultado na tabela abaixo:

VALOR NÚMERO DE DECISÕES %
50 mínimos 3 7,50
100 mínimos 9 22,50
150 mínimos 4 10,00
200 mínimos 4 10,00
250 mínimos 2 5,00
300 mínimos 3 7,50
400 mínimos 2 5,00
500 mínimos 4 10,00
1.000 mínimos 2 5,00
2.400 mínimos 1 2,50
3.000 mínimos 1 2,50
R$ 30.000,00 1 2,50
R$ 40.000,00 1 2,50
R$ 100.000,00 1 2,50
R$ 200.000,00 1 2,50
CR$ 1.000.000,00 1 2,50
TOTAL DAS DECISÕES 40 100,00

Levantamos, ainda, 25 casos de lesões gravíssimas, assim considerados a perda de um membro ou sentido e ferimentos importantes. Eis o resultado:

TIPO DE LESÃO VALOR N° DE DECISÕES %
Amputação dedo 30 mínimos 1 4,00
Amputação dedo
Amputação dedo pé esquerdo
100 mínimos 2 8,00
Cegueira
Perda de braço esquerdo
150 mínimos 2 8,00
Perda de um olho
Queimaduras fogos
300 mínimos 2 8,00
Amputação de braço
Danos cerebrais irreversíveis
350 mínimos 2 8,00
Lesões degenerativas
Tetraplegia
400 mínimos 2 8,00
Mutilação irreversível
Seqüelas irreversíveis
500 mínimos 2 8,00
Amputação de braço 600 mínimos 1 4,00
Amputação antebraço direito 2.000 mínimos 1 4,00
Amputação dedo
Lesões neurológicas irreversíveis
Perda dedo médio mão direita
R$ 12.000,00 3 12,00
Perda de um olho R$ 20.000,00 1 4,00
Queimaduras graves
Amputação dedo mão direita
R$ 50.000,00 2 8,00
Amputação de perna R$ 65.000,00 1 4,00
Tetraplegia aula caratê R$ 100.000,00 1 4,00
Aborto por trauma em
Explosão de shopping
R$ 130.000,00 7,50 7,50
Amputação de perna R$ 500.000,00 1 4,00
Total de Decisões 25 100

Atento a essa discrepância, Clayton Reis, juiz e professor universitário no Estado do Paraná e especialista em Responsabilidade Civil, elaborou importante estudo que resultou no livro “Avaliação do Dano Moral” – Forense, 2002, em que apresenta tabelas com faixas mínimas e máximas de valores para diferentes níveis de dano, apresentando, ainda, uma equação de cálculo, onde se leva em conta, entre outros critérios, a situação econômica das partes e magnitude do dano.

Espera-se que com a sedimentação da jurisprudência, os critérios e valores encontrem paridade com o dano, firmando-se parâmetros justos e, na medida do possível, uniformes.

As decisões referidas neste estudo fazem parte do Banco de Jurisprudência disponível a consulta, no site da Associação Férias Vivas https://feriasvivas.org.br.

Ieda Maria Andrade Lima
advogada e assessora jurídica da AFV