Agências de turismo querem fugir do código do consumidor

Desde 2001 tramita no Congresso Nacional, Projeto de Lei de autoria do Dep. Alex Canziani pelo qual agências de turismo pretendem se esquivar de responsabilidades, afastando a aplicação de dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

Já aprovado pela Câmara dos Deputados – PL 5.120/01 – e, atualmente no Senado – PL 22/03 -, o projeto passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora se encontra na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo.

A pretexto de dispor sobre atividades das agências de turismo, o PL contém artigos que suprimem direitos que o CDC garante aos consumidores e, especialmente, os necessários à reparação de danos causados por falha na prestação de serviços turísticos.

As agências orientam, apresentam planos e locais de viagem, indicam, recomendam e vendem a seus clientes, contando com a confiança que lhes é depositada, pacotes turísticos, estadias em hotéis, city tours, traslados, transporte, atividades de lazer, opcionais, etc. Vendem, recebem suas comissões, mas não querem se responsabilizar pelo resultado.

Se o hotel não corresponder à categoria indicada, se o receptivo não for buscar o passageiro no aeroporto, se o passeio pela cidade for um desastre, se a piscina não tiver condições de uso, a agência não vai querer saber de nada. Não vai querer saber, inclusive, se o torcedor/turista, ficar do lado de fora do estádio, no país sede da Copa do Mundo de Futebol, com um bilhete inútil e não reconhecido, para assistir a final Brasil e Argentina (como realmente aconteceu em casos semelhantes, na França).

E, o mais grave: se, em virtude de falha desses serviços, ocorrer um acidente, com lesões físicas, estéticas, danos materiais e/ou morais e até óbito? Pelos termos do projeto de lei, o consumidor e/ou sua família terão que correr sozinhos atrás desses terceiros, que, via de regra, sequer conhecem. A agência estará isenta da obrigação de reparação de danos.

Para garantir os direitos dos consumidores é que o CDC estabeleceu a responsabilidade solidária de todos os que participam da cadeia comercial dos serviços. Significa que tanto o prestador direto (hotel, transportadora, receptivo, guia turístico, etc), quanto os que intermediaram a venda desses serviços (no caso, operadoras e agências de turismo), respondem perante o cliente, que, à sua opção, pode ingressar com demanda contra qualquer deles, contra alguns ou contra todos, em conjunto.

Nossos Tribunais têm reiteradamente aplicado o CDC, decidindo que as agências de turismo são responsáveis solidariamente perante o cliente, pelos serviços que intermedeiam. E as agências, depois, têm o direito de regresso, ou seja, de cobrar do responsável direto, o quanto teve que pagar ao consumidor, em virtude da falha do serviço. Portanto, o sistema atual protege o consumidor e, ao mesmo tempo, não desampara as agências.

Mas, se a pressão do lobby do setor conseguir aprovar o texto do projeto de lei, os clientes estarão órfãos, porque o Judiciário não terá mais como aplicar o fundamento legal a seu favor. Ademais, vai criar uma classe inferior de consumidor, já que, para os demais setores, continuam valendo as disposições do código.

Organizações de Defesa do Consumidor têm-se manifestado contra o projeto, como o IDEC, a PRO TESTE e a Associação Férias Vivas – www.feriasvivas.org.br -, ONG que trabalha em prol da segurança e prevenção de acidentes em atividades de lazer e turismo.

A garantia da responsabilidade objetiva e solidária por acidentes de consumo é direito básico do consumidor e não pode ser abolido seja em fornecimento de produtos ou prestação de serviços.

por Ieda Maria Andrade Lima
Voluntária da ONG Associação Férias Vivas.