Carta aberta ao Sr. Presidente da República

O PL 3.118/2008 que se propõe a tratar da Política Nacional de Turismo, definir as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico, constitui-se em texto legislativo de marcada importância no sistema jurídico nacional e, por essa razão, deveria ser largamente discutido pela sociedade civil. Sua edição revogará textos que estão em vigor há mais de trinta anos, o que demonstra a necessidade de ponderação e amadurecimento.

Entretanto:

  1. Apresentado em 27/03/2008, em regime de urgência, menos de 5 meses após, já resultou aprovado por ambas as Casas do Congresso Nacional, surpreendendo a todos e especialmente, as entidades de defesa do consumidor. Resta evidente que os srs. parlamentares não tiveram tempo para a devida análise, tanto que ainda nem se aperceberam de que estão, concomitantemente, aprovando dois textos cujos dispositivos se confrontam irremediavelmente. Com efeito, tramita paralelamente no Congresso, o PL 5.120/2001, que dispõe sobre as atividades das agências de turismo. Esse PL, atualmente na Câmara dos Deputados, já recebeu aprovação do Senado e é inconciliável com dispositivos do PL 3.118/2008.
  2. Por outro lado, destaca-se no PL 3.118/08, o parágrafo sexto do artigo 27, que afronta o princípio da igualdade e da proteção ao consumidor consagrados na Constituição Federal (arts. 5°, caput e inciso XXXII e art. 170, V), portanto, está eivado de inconstitucionalidade:

    “Art. 27. (…)
    (…)§ 6º A agência de turismo é responsável objetivamente pela intermediação ou execução direta dos serviços ofertados e solidariamente pelos serviços de fornecedores que não puderem ser identificados, ou, se estrangeiros, não possuírem representantes no País.(…)”

  3. Além da Constituição, também o Código do Consumidor é afrontado na sua essência. Fundado na vulnerabilidade do consumidor, o CDC adotou os princípios da responsabilidade objetiva e solidária de forma que o prejudicado pode pleitear ressarcimento de danos materiais e morais, de todos os que integram a cadeia produtiva do bem ou serviço (arts. 7°, § único; 12, caput, 14, caput, 18, caput, 25, § 1° e 34). Trata-se de um elemento equilibrador da desigualdade de forças na relação consumerista e, portanto, não pode ser eliminado.
  4. Ao retirar a aplicação dos princípios da responsabilidade objetiva e solidária das agências de turismo, o PL 3.118/08 cria o consumidor de segunda classe – o turista – já que nas demais relações de consumo, aplica-se o CDC. E, em contra-partida, cria privilégio inaceitável às agências de turismo, que se eximem da aplicação do código do consumidor, nessa parte. O consumidor que confia na agência de turismo, terá suas portas fechadas quando sofrer qualquer lesão a seus direitos. Terá que procurar por terceiros que não conhece, que foram escolhidos pela agência que, malgrado ter recebido sua comissão, não se responsabiliza por nada.

por Ieda Maria Andrade Lima
Voluntária da ONG Associação Férias Vivas.