Primeiros socorros

Se houve falhas no atendimento do jogador Serginho independente de sua situação de saúde anterior não cabe discussão. As imagens estão aí – tudo foi filmado. Os Manuais de Suporte Básico de Vida são claros. Uma vez caracterizada a parada cardio-respiratória iniciam-se as massagens cardíacas e respiração boca a boca, que são eficientes por alguns minutos, até a chegada do desfibrilador. Entretanto, o desfibrilador com ou sem ambulância não chegou até o jogador.

Se para Serginho, que estava no centro do espetáculo, para o qual todo o suporte está voltado, o atendimento foi deficiente, imaginem como seria para um expectador que tivesse um mal súbito ou se acidentado.

Para eventos, sejam em clubes, estádios ou outros estabelecimentos existem normas de segurança a serem seguidas. Dependendo do porte está previsto, e é imprescindível, a presença de equipes treinadas para o atendimento externo, em número proporcional aos participantes e estrategicamente colocado. Embora, o desfibrilador, segundo alguns, não seja mandatório por lei, qualquer profissional habilitado para este tipo de atendimento sabe que ele é indispensável. Portanto, não tem que esperar, até por questões técnicas e éticas, uma lei específica. O ridículo da situação é que havia o aparelho, porém inacessível naquele momento.

Foi melancólico ler e ouvir, na mídia, a declaração de alguns profissionais de saúde, que o atendimento prestado ao jogador foi correto. Como se isto fosse possível com os equipamentos trancados em uma ambulância!

Em 14 de fevereiro de 2004, meu filho Felipe Borges de Oliveira, 20 anos, estudante de engenharia de materiais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e sua amiga, Thaisa Rezende de Azevedo, estudante de medicina da Universidade de Uberaba-MG, foram eletrocutados ao caírem na piscina do Jockey Club de Uberaba – MG, onde ocorria uma tradicional festa pré-carnavalesca para mais de 4.000 pessoas. Thaísa sobreviveu e Felipe veio a falecer.

Inúmeras irregularidades foram constatadas: as fiações elétricas em condições precárias mergulhadas em água na borda da piscina, que estava liberada para o uso, ausência de salva-vidas, o despreparo dos seguranças e a dificuldade de acesso da equipe médica contratada.

O resgate e atendimento dos jovens foram realizados por participantes da festa com risco próprio. Quanto ao Felipe, que se encontrava em parada cardio-respiratória (seu salvamento foi mais trabalhoso porque ele estava longe da borda da piscina), teve as manobras de ressuscitação interrompidas por duas vezes para mudarem-no de lugar. Sendo a festa em volta da piscina havia uma barreira física entre esta e a equipe médica contratada e a ambulância, o que é tecnicamente incorreto. Não obstante ter uma ambulância CTI no local, com cardioversor, capnógrafo, etc, equipada para a concretização das manobras de ressuscitação, ele foi transportado de maneira apressada para um hospital a 6 km de distância. O tubo oro-traqueal colocado para facilitar a entrada de ar nos pulmões não foi fixado, portanto, meu filho chegou ao hospital com este tubo fora do lugar. Não resistiu a tudo isto e faleceu.

Apesar de morar e trabalhar no Rio de Janeiro, fiquei em torno de 4 meses em Uberaba acompanhando todo o inquérito policial até o pronunciamento do promotor que denunciou o presidente, dois diretores sociais, o gerente, o engenheiro, o eletricista e o chefe da segurança contratada pelo clube.

Entendendo que este não era um fato isolado, o caso de Serginho e inúmeros outros o confirmam, venho desde então, tentando provocar uma discussão quanto à segurança em eventos públicos e a eficiência, o preparo, das equipes de atendimento externo.

O que se sabe é que em caso de acidentes ou mal súbito o que garante a sobrevida e a qualidade desta é o primeiro atendimento, no local da ocorrência.

Entretanto, em que pese a melhoria destes atendimentos, com a participação dos bombeiros nos primeiros socorros em área urbana e formação de equipes de resgate para acidentes nas estradas, ainda estamos longe de ter uma abrangência universal satisfatória. É importante ressaltar que existem propostas de treinamento de outros grupos que trabalham em ambientes onde circulam grande número de pessoas, como shopping, escolas, etc, a exemplo do que já ocorre em países desenvolvidos. Em clubes, ou em eventos de um modo geral a responsabilidade pelo planejamento da segurança e das equipes de primeiros socorros fica por conta dos promotores dos eventos, cabendo ao poder público a fiscalização. Isto vale também para os jogos de futebol? Como tem sido feita esta fiscalização?

A importância dos primeiros socorros está estabelecida, há quase um século. A cada dia se evolui mais conceitualmente e mais tecnologia é desenvolvida. Como isto é incorporado pelos profissionais que atuam nesta área no nosso país? Como são incorporados nas escolas que formam profissionais da área de saúde? Através de adaptações curriculares? Está hoje o profissional recém-formado apto a prestar os primeiros socorros em uma parada cardio-respiratória? Com a palavra os Ministérios da Saúde, da Educação e Entidades Médicas.

Nossas autoridades parecem apenas responder aos fatos, que repercutem, com propostas pontuais, com um longo caminho burocrático a ser percorrido, que, portanto poderão, ou não, se concretizarem.

Isto posto, não sabemos se Serginho sobreviveria caso seu atendimento tivesse sido correto, mas não resta dúvida que teria tido uma chance. Quanto ao Felipe, sabe-se que em caso de eletrocussão, sendo a pessoa resgatada com vida, provavelmente sobreviverá, desde é claro, que a ressuscitação seja realizada corretamente, sem interrupções.

Serginho e Felipe e muitos outros não mais retornarão. E quantos mais serão necessários para que esta realidade seja mudada?

Estamos diante de mais uma fotografia de nosso subdesenvolvimento.

José Antonio de Oliveira – médico e pai de Felipe
j.antt@terra.com.br

Por Pedro C. Cavalcanti