Quando o turismo não traz diversão

Durante anos, o incentivo ao turismo no Brasil esteve vinculado apenas à sua “beleza natural”. Não havia mobilização efetiva dos responsáveis para incentivar e desenvolver esta atividade profissionalmente. Hoje a mentalidade é outra. O Governo Federal percebeu que o turismo é uma importante “indústria”, geradora de renda e de diferentes níveis de empregos para o país.

A partir dessa visão, foram desenvolvidos programas que alteraram significativamente a demanda do turismo brasileiro. Segundo dados da Embratur, o número de viagens (fluxo interno) passou de 38,2 milhões de viagens em 1998 para mais de 52 milhões em 2001. O número de desembarques aéreos domésticos subiu de 13,5 milhões, em 1994, para 32,6 milhões no período.

Esse crescimento turístico ocasionou uma alteração proporcional nos problemas enfrentados pelos turistas/consumidores em relação às agências de viagem, regidas pelo Decreto n. 84.934/80 (cujo texto sofreu várias modificações por meio de Resoluções e Deliberações Normativas nos últimos 20 anos, no intuito de aprimorá-lo às transformações legais ocorrentes no país, sendo a mais importante a Deliberação Normativa n. 161, que dispõe sobre o regulamento comercial entre agências de viagens e turismo e seus usuários).

A meu ver, não procede a doutrina que restringe a responsabilidade das agências de viagem ao argumento de que elas são apenas intermediárias, exonerando-as da responsabilidade de terceiros, que compõem a sua cadeia de fornecedores. A interpretação do artigo 7o. do Código de Defesa do Consumidor (cujo parágrafo único estabelece : “Tendo mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas do consumo”) reclama uma reflexão preliminar do que seja solidariedade.

Nelson Nery Junior, versando este tema, considerou indispensável fixar a relação existente entre o Código Civil (1917) e a Lei 8.078 (1990) , no trato da solidariedade, mostrando que esta, embora inserida em dois diplomas, distantes no tempo, guardam perfeita identidade quanto ao seu alcance. Em suma, a solidariedade importa em responsabilidadeindivisível: aquele que foi cobrado e satisfez a obrigação terá o direito de reclamar dos demais, numa etapa posterior, o rateamento dos encargos despendidos.

Acesso à justiça e contrato

O renomado jurista Mauro Cappeletti, preocupado, também, com o acesso dos consumidores à Justiça, ressaltou que, atualmente, mais de 90% dos contratos já não têm caráter de encontro das vontades individuais, tal a prevalência do chamado contratostandard concluído na base de cláusulas gerais de adesão.

Tal acontece, sobretudo, nos contratos de turismo, que, comumente, apresentam condições pré-definidas, imunes às alterações unilaterais, mormente as que possam satisfazer ao comprador. As cláusulas protecionistas atendem somente a agência vendedora, interessada em assegurar o lucro e livrar-se de quaisquer ônus futuros.

O Código de Defesa do Consumidor dispõe que o serviço é considerado inadequado quando há disparidade entre a sua prestação e as indicações encontradas na oferta ou na mensagem de venda.

Esta indicação tem significado relevante, pois, na maioria dos casos, o adquirente do serviço, o consumidor, subscreve o contrato sem conhecimento das peculiaridades do transporte que irá usar ou das acomodações de que poderá dispor.

Vem se tornando usual, além disso, a inclusão de cláusula pela qual o comprador se declara “ciente das condições gerais e específicas” instituídas para o programa ou serviço que está contratando. Assim procedendo não só em seu nome como no de seus familiares e dependentes. Por esta cláusula, supõe-se que as empresas transportadoras e hoteleiras serão as únicas responsáveis pela boa execução do programa, e não a agência vendedora do serviço.

Portanto, é recomendável que as cláusulas nos contratos de viagem sejam sempre redigidas em termos claros, de fácil leitura e compreensão, acessíveis a qualquer consumidor, de modo a evitar interpretações que gerem futuro conflito judicial.

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Com a finalidade de impedir eventuais práticas fraudulentas, o CDC foi taxativo ao estabelecer, em seu artigo 30: “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”

Em comentário a essa regra, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) alertou que: “Nesse caso, o Código estabelece que a propaganda integra o contrato e obriga o fornecedor a cumprir o que foi noticiado pelos meios de comunicação.” Como publicidade específica e dirigida hão de ser consideradas todas as formas de comunicação usadas no mercado com o intuito de estimular a compra de programa de viagem e de turismo.

A agência vendedora, mesmo não suficientemente informada da qualidade do serviço negociado; ainda que a sua prestação esteja a cargo de operadora que atua em local distante de onde ela está, a sua responsabilidade subsistirá ( Art. 23 do CDC).

O vício que for apurado no futuro, resultante de serviço ineficiente ou incompleto, não exclui a responsabilidade do fornecedor, presumindo-se que ele está ciente da capacidade de quem o prestou, já que o representa, na condição de intermediário. Por força do Art 25, parágrafo primeiro do CDC: “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.” Essa regra guarda estreita relação com o art. 7º, parágrafo único, pois ambas as normas dizem respeito à solidariedade legal.

Conforme o art 34 do CDC, na oferta de serviços, a agência de viagem ou operadora, como fornecedoras, são solidariamente responsáveis pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos que são definidos como “pessoas que, direta ou indiretamente, auxiliam o fornecedor no seu negócio e representam os seus interesses, ainda que não mantenham uma relação trabalhista formalizada, como carteira de trabalho e pagamento de encargos trabalhista”.

Tratamento jurisprudencial

A solidariedade legal assentada nos Art.7º, parágrafo único, 34 C/C 14, caput, 20, caput, 23,25 §1º do CDC, vem recebendo da jurisprudência merecida atenção, consoante os princípios que inspiraram a elaboração daquele Estatuto.

Pacificou-se o entendimento de que todo aquele que contrata turismo é consumidor de serviço, com direito ao tratamento previsto naquele diploma legal, pois utiliza um serviço no intuito de satisfazer uma necessidade pessoal, que, em geral, é ilimitada. E nesse ato de consumo não há qualquer pretensão de obter receitas, mas, ao contrário, de despender. Já as agências de viagem e as operadoras constituem fornecedoras de um serviço disciplinadas igualmente pela mesma lei. A característica básica destas é a remuneração pela atividade prestada.

Embora haja expressa autorização para se cumular o dano moral e material (art. 6º VI do CDC), vale o registro da existência de alguns acórdãos recusando o direito de ressarcimento por dano moral, quando não resulte satisfatoriamente provado.

Conclusão

O objetivo da presente obra não é o de penalizar a prestação de serviços fornecidos pelas Agências de Viagem, mas demonstrar que os serviços “inadequados” fornecidos aos seus clientes/consumidores são de sua responsabilidade, em virtude da solidariedade preceituada no Código de Defesa do Consumidor.

O que se busca é uma nova concepção na relação entre agências de viagem/fornecedores e clientes/consumidores que deverá ser respaldada pela perfeita “harmonia” de direitos e deveres e em conformidade com alguns dos princípios do CDC, ou seja, as partes devem praticar seus atos, amparadas pela boa-fé objetiva que deverá ser “uma regra de conduta”, pela transparência na oferta e publicidade, pela confiança nas informações fornecidas e pela hipossuficiência do consumidor em relação aos serviços contratados com a Agência de Viagem.

Portanto, o intuito desta obra é o de demonstrar através da doutrina e das decisões jurisprudenciais a “Responsabilidade Jurídica das Agencias de Viagem” em relação aos serviços prestados ao turista/consumidor e o de destacar os meios que este cliente dispõe para buscar o ressarcimento de seus direitos lesados, frustrados e fornecidos inadequadamente pela Agência de Viagem por seus fornecedores.

Por Luciana Rodrigues Atheniense