O VALOR DO SISTEMA DE GESTÃO DA SEGURANÇA PARA UM EMPRESÁRIO DE TURISMO

Na entrevista de hoje nós vamos conhecer um pouco mais sobre como o Sistema de Gestão de Segurança, que é um sistema de controle e tratamento de fatores de risco no turismo de aventura. Esta metodologia é aceita internacionalmente e pode ser um elemento chave para auxiliar o empresário em uma situação de crise. Evandro Shütz, diretor operacional da Atitude Ecologia e Turismo e Gerente técnico na ABETA - Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, compartilhou conosco como ter implantado os requisitos do Sistema de Gestão da Segurança foi primordial ao lidar com o caso de acidente mais marcantes de sua carreira.

Se você ainda não está convencido sobre a importância do Sistema de Gestão da Segurança para sua empresa, esta história vai ser de grande ajuda.

Nesse relato, Evandro Shütz nos conta como o Sistema de Gestão de Segurança o auxiliou no processo de gestão de crise. Principalmente, como esse processo foi essencial após a ocorrência do acidente, no sentido de respeito à família e de controle da situação.

Início da carreira

"Comecei minha jornada no final dos anos 80 de modo informal. Nesse momento, muita coisa estava acontecendo dentro do turismo de natureza, que na época nem se denominava assim. Foi nesse momento que percebi que trabalhar com atividades ao ar livre seria uma grande oportunidade na qual eu queria atuar profissionalmente.

No começo da minha carreira enfrentei dificuldades com o gerenciamento da minha empresa. Muitas das vezes me vi sobrecarregado com várias funções. Atendia telefones, vendia os produtos, fazia os pagamentos. Eu comandava minha “EUpresa”. Mas tudo isso mudou a partir da nossa entrada para o parque de Canela.

Foi em 2005 que nossa empresa foi convidada a se juntar ao Alpen Park, parque de diversões de Canela – Rio Grande do Sul. E já em 2006 nós entramos no programa Aventura Segura. Nesse período nós começamos a atender números maiores de visitantes e foi então que planejamos nossa estratégia e nos realinhamos para atender cerca de 12.000 turistas por ano."

Programa Aventura Segura

De acordo com Pollyana Pugas (turismóloga, auditora na Norma ABNT NBR ISO 21101 e embaixadora da ONG Férias Vivas), o Programa Aventura Segura foi considerado um marco para o segmento. Seu propósito foi estruturar, qualificar, certificar e fortalecer a oferta de serviço de ecoturismo e turismo de aventura no país. Elaborado de acordo com as diretrizes da Política Nacional de Turismo (PNT), promoveu ações de fortalecimento institucional do segmento, qualificação e capacitação de condutores, empresários e profissionais. Seu foco foi o desenvolvimento de capacidade de resposta a emergências e acidentes e uma ampla disseminação da cultura da qualidade e da segurança para a operação responsável e segura das atividades de ecoturismo e turismo de aventura, além de subsidiar as iniciativas de certificação no âmbito das normas ABNT.

Pollyana Pugas

Primeiro contato com o Sistema de Gestão da Segurança

"Nós tínhamos grupos de condutores que eram capacitados, o que nos ajudava a distribuir tarefas. Eu era o diretor operacional, e mais dois sócios cuidavam da parte administrativa e corporativa. Para nós, isso facilitou o trabalho e a aplicação das normas da ABNT.

Confesso que o processo não parece fácil, já cheguei até a imaginar que não conseguiria gerenciar tudo e pensei que isso não era pra mim. Mas depois do apoio de colegas e um ano e meio de trabalho, percebi a importância da implementação do Sistema de Gestão da Segurança para nosso tipo de atividades. Durante nosso planejamento de segurança das atividades de aventura no parque, havíamos levantado 932 possibilidades de machucar alguém.

Os protocolos não garantem que acidentes não vão acontecer, mas sim que você esteja preparado capacitado caso ele aconteça."

A experiência mais marcante na carreira do Evandro Schütz aconteceu em Canela, esta pequena cidade de cerca de 45.000 habitantes que há muito tempo caiu no gosto dos turistas que visitam Gramado e região.

Canela tem como grandes destaques a cachoeira do Caracol, e o cênico Vale da Ferradura. A estrutura turística contempla pousadas com jeito de casa de campo, bons restaurantes, além de vinícolas, parques e museus temáticos.

O Alpen Park surgiu como uma alternativa de lazer, diversão e ecoturismo, tendo se tornado uma grande referência no local. Ele está localizado em uma cidade completamente turística, que faz parte de um dos circuitos mais procurados no Brasil: a Serra Gaúcha. Este parque de diversões oferece atividades como montanhas-russas, tirolesas, quadriciclos entre outras atividades.

E foi atraído por esta beleza que João (nome fictício) contratou o passeio de tirolesa com a equipe de Evandro. Acostumado à adrenalina, ele não teve dúvidas ao contratar o passeio. Dali algumas semanas entraria na pista de patinação para uma competição universitária, e que maneira melhor de relaxar do que uma viagem pela serra gaúcha. Toda a família se preparou para passar um dia inesquecível no parque de diversões e estava reunida no mirante do deck para ver a descida de João. O ambiente estava tranquilo, de movimento razoável. A empresa recebia naquela manhã cerca de 100 pessoas, o que era considerado a média esperada de participantes. Canela amanheceu admirável, da mesma forma de sempre, com um clima das montanhas invejável. O ambiente natural do parque reforçava a bela paisagem da cidade.

Evandro nos conta como esse dia foi marcante na sua evolução como profissional e na sua percepção sobre a importância do Sistema de Gestão da Segurança.

"Era 2009, sábado pela tarde. Faltavam exatamente 2 semanas antes da vinda do auditor para a certificação das nossas atividades dentro da norma ABNT de segurança no turismo de aventura.

Segui com meu dia de trabalho, realizando todas as tarefas que faço normalmente. O período matutino foi calmo, a operação estava acontecendo de modo regular. Foi logo depois do almoço, por volta de uma da tarde, que, inesperadamente, recebi um chamado no rádio do condutor líder daquele dia.

Um acidente tinha acontecido!

Foi então que o condutor me informou que um rapaz tinha se acidentado e que ele já havia sido imobilizado. Os condutores são treinados para que sigam o protocolo sem a necessidade de minha aprovação prévia. Nesse momento eu já entendi a gravidade do acidente, chamei a ambulância e comecei a fazer o gerenciamento da crise.

Meu primeiro passo foi fechar a bilheteria e encerrar a venda das atividades. Depois, entrei em contato novamente com o condutor e pedi para ele levar os participantes que ainda não haviam feito a atividade à bilheteria para estornar o dinheiro dos ingressos. Por fim, fechei o escritório.

Foi nesse instante que vi um grupo de pessoas vindo e gritando em minha direção, e logo já os reconheçi como os familiares do João. Logo de cara tentei explicar a situação, porém era difícil com toda aquela agitação.

Apesar de todo caos, e até acusações de assassinato, eu tive que acalmar todos e controlar a situação. Minha reação foi identificar os pais do rapaz para ter uma conversa particular. Os chamei para meu escritório e fechei a porta. Me lembro até hoje dessa cena como se fosse uma fotografia, o pai estava segurando uma garrafa térmica de água quente e chimarrão, bem calmo e tranquilo. A mãe era uma senhora bem vestida. E então eu descubro que o pai era advogado e a mãe juíza. Tudo que passava pela minha cabeça nesse instante era que eu seria preso.

Me recompus e lembrei das instruções de gestão de crise. Me apresentei como um dos proprietários da empresa, e determinei que estávamos levando o rapaz para o hospital, e que iríamos realizar todos os exames possíveis e imagináveis que fossem necessários. A mãe de imediato concordou.

Não pensei duas vezes, assim que a ambulância chegou, nós fizemos o transporte do rapaz já imobilizado e fomos direto ao hospital. Foram 8 horas de acompanhamento e exames. Quando saímos de lá, passamos em uma farmácia para comprar todos os medicamentos e, aí sim, consigui expressar o que estava sentido. Disse que sabia que nenhum pedido de desculpas resolveria a situação, porém deixei com os pais meu cartão de visita e o meu telefone, pois assim eles teriam acesso direto a minha pessoa a qualquer hora do dia. Tentei demonstrar ao máximo meu envolvimento e preocupação com toda a situação.

Foi então que a mãe do rapaz me disse uma frase que me marcou muito.

“Não concordo e não aceito o acidente, mas vocês fizerem tudo que eu esperaria que fosse feito como mãe e juíza."

Duas semanas depois recebi uma ligação do escrivão da polícia civil informando o registro de uma denúncia. O delegado então fez a investigação. Expliquei e apresentei todos nossos registros de capacitação, dos treinamentos, dos engenheiros. Apresentei todos nossos livros de segurança, que são basicamente atas, com anotações diárias sobre os condutores que estavam operando naquele dia, como estava o clima, se teve algum acidente ou incidente. Tínhamos absolutamente tudo registrado.

A última pessoa a ser ouvida, foi o condutor que estava responsável quando aconteceu o acidente. Nesse momento o condutor assumiu a culpa. Ele contou que por um erro de procedimento dele, o acidente tinha acontecido. Ele afirmou também ter sido capacitado pela empresa.

Esse foi o segundo momento marcante da minha história, pois mostrou que o Sistema de Gestão de Segurança além de tudo, faz com que nós pensemos na coletividade, onde um homem é capaz de assumir o erro e dizer que a empresa havia feito de tudo para evitar acidentes. Esse acidente também foi necessário para que identificássemos mais um dentre nossos 932 possíveis riscos que foram levantados no nosso planejamento. Depois disso, não tivemos mais acidentes dessa gravidade de 2009 até 2018, quando saímos do parque.

O Sistema de Gestão de Segurança serviu como orientador para todo o processo pós acidente. Confesso que sem ele eu teria me sentido muito mais inseguro e sem direcionamento do que poderia ser feito nessa situação. O Sistema de Gestão de Segurança nos prepara para lidar com uma situação de crise. Entendo a importância dos protocolos e digo que, se hoje nós conseguimos lidar com acidentes tenham acontecido,  foi graças a Deus e às normas de segurança!

No início eu enxergava todo esse processo como um dragão, hoje eu o vejo como uma lagartixa que eu já domino com facilidade."

Esperamos que tenha apreciado este relato marcante! Você também pode compartilhar este artigo com sua rede e incentivar que mais empresários adotem o Sistema de Gestão da Segurança em suas operações.

Sobre a consultoria

Silvia Basile

Constituímos, em 2002, a Associação Férias Vivas que já trabalhou na elaboração de 41 Normas Técnicas ABNT NBR de Turismo de Aventura, sendo 17 Normas Técnicas internacionais ABNT NBR ISO. Junto com embaixadores e parceiros, criamos assim padrões de qualidade e segurança nas atividades de turismo no Brasil. Em 20 anos de atuação na área de conscientização e prevenção de acidentes no turismo, esta vivência proporcionou aos consultores da Associação Férias Vivas a capacidade analítica e a experiência prática para a implantação de projetos de gerenciamento de risco em destinos de turismo. Nossa articulação com o setor público se faz eficaz ao comprovar que iniciativas de sensibilização e gestão da segurança são essenciais para o desenvolvimento responsável do turismo.

  • sbasile@feriasvivas.org.br